terça-feira, 1 de abril de 2008

"Viajando com Tarsila" (por Fernanda Cury)


A exposição "Tarsila Viajante", da artista brasileira Tarsila do Amaral, merece ser vista repetidas vezes, pois amealhou não apenas as obras mais significativas de nossa modernista, mas também suas fotos, cartas, esboços, caderninhos de anotações, que nos permitem conhecer tanto a sua trajetória de vida, quanto o seu processo de criação.

Embora Tarsila não tenha participado da Semana de Arte Moderna de 1917, no Teatro Municipal de São Paulo, foi apresentada pela amiga Anita Malfati aos organizadores do evento, tornando-se companheira inseparável de Oswald e Mário de Andrade, e ingressando em uma viagem sem volta rumo ao modernismo brasileiro.

A artista registrou não apenas o Brasil interiorano, com suas cores "caipiras" (rosa e azul), mas também a sua São Paulo cosmopolita, com suas ruas viadutos, trilhos, chaminés, em tempos de industrialização. Também, não registrou apenas a classe a que pertencia (aristocracia cafeeira), apresentando a realidade brasileira (operários, viajantes famintos na estação) abafada por tanto tempo pela arte acadêmica.

Na fase pau-brasil, encontra a identidade nacional, pintando suas viagens pelo país e realçando o elemento primitivo (índios, negros), misturado a todas as demais culturas que compõem a identidade nacional.

Uma das telas mais interessantes dessa fase é "A Negra"(1923), em que Tarsila pinta uma figura avantajada, com formas arredondadas e um peito caído, em alusão às negras que trabalhavam na fazenda de seus pais, no interior paulista, e que serviam de amas de leite. Fiquei muito emocionada ao ver a foto de uma delas junto aos demais objetos pessoais da artista, ficando clara a inspiração de sua infância.

É muito interessante verificar que Tarsila, como toda boa artista, levava consigo o seu famoso "caderninho de anotações", onde fazia anotações da viagem, desenhos, pequenos esboços que viraram grandes obras de arte.

Em 1928, com sua tela "Abaporu" (homem que come a carne humana), surge um novo movimento modernista: o antropofagismo, que ideologicamente seria aproveitar apenas as boas influências de fora (repelindo o que era imprestável), acrescentando-a à riqueza nacional.

Segundo a própria pintora, essa obra também foi inspirada em suas recordações de infância na fazenda em Capivari. Para que as crianças fossem cedo para cama, as negras contavam histórias assustadoras sobre aqueles que desobedeciam o horário de dormir. Por isso a figura monstruosa, de pés enormes enraizados no Brasil.

No ano seguinte, seguindo sua trajetória de buscar a identidade brasileira, Tarsila resolveu pintar outra tela, denominada "Antropofagia", que era uma mistura das duas telas anteriores ("Abaporu" e "A Negra").

A grande surpresa da exposição, no entanto, foi poder observar, ao vivo e em cores, essas três obras-primas do modernismo brasileiro bem diante dos nossos olhos... Foi quando não consegui conter a emoção de estar diante de tudo aquilo que estudara no primeiro semestre da faculdade e as lágrimas desabaram...

Há algo melhor no mundo do que se emocionar? Então, visitem a exposição e permitam que as cores e formas de Tarsila invadam os seus olhos, a sua mente, o seu imaginário e o seu coração...

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